terça-feira, 3 de maio de 2022

O transporte coletivo sob uma perspectiva liberal


Um dos grandes desafios da atualidade que as cidades têm que enfrentar é o transporte coletivo dentro da mobilidade urbana. Como organizar o sistema em prol de um melhor serviço ao cidadão a um custo acessível que permita a população se locomover, ter acessos aos serviços e infraestrutura, e por fim ser motivada a abandonar as soluções individuais e usar mais as coletivas? Esse artigo não é uma revisão histórica e muito menos uma análise dos diversos modelos implantados. Trata-se apenas de uma visão futura de como implantar um sistema de transporte coletivo sob uma perspectiva liberal.

O liberalismo econômico tem como um dos grandes pilares a livre concorrência entre empresas em um mercado aberto. Assim, cada uma pode definir o seu produto ou serviço, resolver sua estratégia de preços e atuar no mercado, sujeita ao julgamento do consumidor, que vai definir se o preço é ou não justo, a partir do seu livre arbítrio de consumir ou não daquele vendedor. Por outro lado, considerando que as cidades têm como recurso escasso a área do território, a livre iniciativa no transporte coletivo sem nenhuma regulação é uma utopia. Uma vez que se, por hipótese, todo indivíduo optar, ao mesmo instante, por uma solução individual de transporte, as grandes cidades, teriam suas vias colapsadas. Seria como um infarto em veias entupidas. Diante do caos, seria necessário eleger um representante da coletividade para coordenar o uso do plano territorial, provando assim que o Estado precisa exercer um papel regulador no sistema. Mas o sistema tem como conjugar princípios liberais mesmo que assistidos pelo Estado.


O primeiro passo é acabar com os oligopólios e monopólios no setor de transporte público. Assim, o primeiro pilar é estabelecido sobre os Operadores de Transporte. O sistema deve permitir que mais empresas entrem para concorrer pela prestação de serviço. Assim, o modelo de concessão é substituído por um sistema de credenciamento e com contratos de prestação de serviço que priorizem o usuário, permitindo que sejam encerrados de forma mais rápida caso sejam constatados descumprimentos contratuais e queda de qualidade (pontualidade, lotação dos ônibus, manutenção de equipamentos, idade da frota, etc.). Uma forma de fazer isso é estruturar o contrato de prestação de serviço de operação de transporte vinculado ao quilômetro rodado. Assim, o prestador de serviço não ficaria com o risco de ter ou não o passageiro em determinados pontos da cidade ou em determinados horários do dia. A responsabilidade dessa assertividade passaria a outro pilar do sistema que é a Engenharia de Transporte.

A Engenharia de Transporte é o pilar responsável pela programação de todo o sistema: rotas, horários, tamanho dos veículos, etc. Ele é capaz de definir a instalação de infraestrutura de transporte coletivo em regiões para futura expansão, definir o uso de linhas com ônibus maiores ou menores, criar linhas regionais integradoras, otimizar linhas por meio da simplificação e racionalização de linhas sobrepostas. Definir a utilização de outros modais de transporte que complementem a mobilidade como o uso de metrô, VLT, Maglev ou o promissor Metrocable. Apesar de ter um controlador do sistema, todo esse trabalho de otimização pode ser disputado por empresas de tecnologia que podem concorrer por entregar o melhor serviço pelo melhor preço. Sem contar nos laboratórios de pesquisa que podem atuar de forma conjugada sempre buscando identificar melhorias. Enfim, a Engenharia de Transporte é o pilar que exerce a inteligência de ajustar o sistema a cada capítulo da cidade.


Obtendo dados de uso por meio de catracas inteligentes, rastreamento de GPS de veículos e usuários, ou seja, utilizando toda a tecnologia existente para ajustar o melhor formato para o sistema de transporte. Afinal, a cidade é um organismo vivo e à medida que vai mudando, necessita de adequação. Quem nunca viu problemas de ônibus em regiões novas vizinhas de regiões mais antigas que simplesmente não se comunicam? Problemas que não se resolvem pois estão amarrados em concessões acertadas décadas atrás. Por outro lado, quanto mais serviços disponíveis (mais linhas e mais horários) mais caro fica o sistema. E aí temos o terceiro pilar que é a Bilhetagem.

A Bilhetagem é o pilar responsável pela arrecadação de recursos para custear o sistema desenhado pela Engenharia de Transporte (Pilar 2) e operado pelos Operadores de Transporte (Pilar 1). Da mesma forma, a bilhetagem tem que funcionar de forma independente permitindo inclusive a concorrência entre empresas distintas. Observe hoje a operação de cartão de crédito e débito. Cada estabelecimento comercial pode optar por sua maquininha. E todas elas conseguem receber dos clientes e creditar valores aos prestadores de serviço. Como cada uma tem sua estratégia de taxas e valores, a escolha fica na mão de quem contrata. Pensando na bilhetagem, várias empresas podem estar credenciadas a prestar o serviço ao “Pilar 1” e entregando dados e informações ao “Pilar 2”. A concorrência cria uma redução de preço natural e um desenvolvimento maior das empresas atuantes no segmento. Melhores serviços por um preço menor. Uma bilhetagem independente pode inclusive quebrar com alguns tabus que observamos no transporte coletivo brasileiro, mas que já são amplamente usados em outros países. Por que a pessoa não pode comprar um bilhete de transporte em aplicativos, sites ou em bancas de jornal? Por que a pessoa não pode comprar um bilhete que lhe permita andar livremente durante um dia, semana ou mês? Por que uma área da cidade com interesse social de habitação não pode ter uma tarifa diferenciada (subsídio pontual)? Com uma bilhetagem independente da operação do serviço do Pilar 1, e que hoje fica aglutinada dentro das concessões, pode-se desenvolver formas mais inteligentes para integrar o interesse dos usuários, os modais de transporte e as políticas urbanas da cidade.


Todos esses pilares atuam de forma conjugada dentro de uma gestão da mobilidade. O Estado mantem seu papel de coordenar e dar transparência à sociedade em cada um dos seus atos. Por que é tão difícil hoje saber o custo das empresas de transporte para validar se a tarifa é justa ou não? Por que é tão difícil ter acesso aos dados de origem e destino de cada um dos deslocamentos feitos na cidade para se estudar melhores soluções de transporte? Por que é tão difícil flexibilizar a forma de comprar um bilhete? 


Se realmente queremos nos desenvolver na mobilidade é preciso buscar respostas para essas perguntas. E certamente a estruturação do sistema sob uma perspectiva liberal nos levará ao caminho correto. É preciso ter um ambiente mais aberto e concorrencial. Mas o sistema depende de ser subsidiado para funcionar? Com certeza sim, mas um subsídio responsável. O certo é que monopólios e oligopólios somente nos levam para serviços cada vez piores por preços maiores. Sem contar nas relações escusas que os grandes operadores detentores de concessões começam a formar com governantes. Para variar, no fim da linha, está a população sendo prejudicada. Quem tem condição se vira com soluções particulares. Quem não tem…


Braulio Lara – Vereador em BH pelo Partido Novo

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